quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Aspectos funcionais do sistema visual.

Introdução


O
 Sistema Visual dos vertebrados realiza duas funções básicas fundamentais para a sobrevivência das espécies. A Percepção e a localização de objetos no espaço permitido. Uma terceira função do sistema visual está ligada a homeóstase, com a regulação de hormônios na corrente sanguínea e o ciclo circadiano (1)Neste artigo, trataremos das duas primeiras funções do Sistema Visual consideradas perceptíveis; sua especialização e organização tecidual. Uma revisão de estudos publicados recentemente é aqui disponibilizada.
                                                                                            
Organização Anatômica

O sinais iniciados pelas células fotorreceptoras da retina são projetados à quatro núcleos com funções distintas. O (1) núcleo geniculado lateral para percepção da imagem; (2) o Colículo Superior para controle dos movimentos oculares; (3) núcleo Pré-tectal para o controle pupilar e (4) o núcleo Supraquiasmático para controle do ritmo circadiano e hormonal (2)
1.      Retina.
            O processamento da informação visual se inicia na retina com padrões de luminâncias que incidem sobre os fotorreptores. A identificação do objeto ocorre mediante o contraste de suas bordas limites com o ambiente e seu nível de iluminação de fundo (3).
            Fotorreceptores enviam sinais para as células bipolares na camada nuclear interna; que por sua vez se comunicam com as células ganglionares da retina. Outros dois grupamentos celulares exercem conexões transversais. As células horizontais conectam cones e bastonetes através de ligações laterais na camada plexiforme externa. Células amácrinas realizam conexões laterais entre terminações de uma célula bipolar a outras na camada plexiforme interna. Essas conexões são realizadas através da liberação glutamato (4) nas terminações dendríticas dos fotorreceptores. Glicina e GABA são neurotransmissores inibidores liberados pelas células amácrinas (5). Geração de potencial de ação é encontrado somente nas células ganglionares devido ao seu grande corpo celular que se estende até e os neurônios localizados no NGL.
            As ligações transversais realizam a comparação de sinais que incidem sobre diferentes partes da retina. Para compreender como esses sinais são comparados o conceito de campo receptivo é importante. Definido como a região do campo visual em que mudanças de luminosidade afetarão a função das células contidas no campo. A luz que incide sobre fotorreceptores ligados as células bipolares despolarizantes fará despolarização desse grupo de células.  Já fótons que incidem nos fotorreceptores que se ligam indiretamente por meio de células horizontais irão antagonizar esse efeito. As conexões diretas formam o centro do campo receptivo, enquanto as conexões indiretas formam sua periferia.  Células bipolares despolarizantes são ativadas no centro do campo receptivo por objetos brilhantes; teremos assim o tipo de  resposta  chamada ON. Em oposição; células bipolares hiperpolarizantes respondem a objetos que são mais escuros que seu fundo. Por conseguinte, a luz que incide no centro de seu campo receptivo hiperpolariza suas células e despolariza as células na periferia do campo receptivo; temos assim a resposta OFF (6) (7)
            As células amácrinas realizam conexões entre circuitos de células bipolares ON e OFF de forma linear e de forma não-linear; levando inibição ON às células OFF e transportam OFF inibição às células ON (inibição “crossover"). Essas conexões possuem um papel modulador dos campos receptivos e atuam na distinção de brilho e contraste. A compreensão desses circuitos pode ser importante para construção de circuitos eletrônicos análogos. (8)
                O processamento cromático se inicia na retina. Três tipos de cones, que absorvem a luz de comprimentos de onda longos (L), comprimentos onda de luz média (M) e comprimentos de onda de luz curtos (S). Uma classe de célula ganglionar chamada de célula ganglionar bi-estratificada pequena, que recebe entrada dos cones S na Sublamina ON através da célula bipolar do cone azul e entrada de cones L e M na Sublamina OFF  por meio de uma célula bipolar difusa. A soma desses inputs produz uma resposta ON da luz azul e uma resposta OFF da luz amarela . O circuito de respostas de vermelho/verde não é totalmente claro, mas devem ocorrer aí células  ganglionares com de respostas ON para luz a vermelha e OFF respostas para a luz verde e vice-versa.
2.      Núcleo Geniculado Lateral.
O Núcleo Geniculado Lateral recebe os potenciais de ação gerados pelas células ganglionares da retina e os envia para o córtex visual. Antes se estruturam em seis camadas encontradas nos primatas. Quatro camadas dorsais constituídas de pequenas células chamadas de Camada Parvocelular  (P), e em duas camadas ventrais de células largas – Camada Magnocelular (M). Impulsos do mesmo olho chegam às camadas 2, 3 e 5. As camadas 1, 4 e 6 recebem impulsos contralaterais. Estudos eletropsicofísicos e histoquímicos identificaram uma terceira camada de células – camada Koniocellular – ou camada K, em estudos realizados em macacos. Sua função ainda não foi bem definida, mas há evidencias de que faça parte de uma via de processamento paralelo ligada a cones S. (9)
O sistema de campos receptivos (ON/OFF) é semelhante ao da retina; bem como a codificação verde/vermelho e azul/amarelo e seus respectivos interneurônios. Embora essa organização seja semelhante; a resposta a luz branca é menos intensa no centro do campo receptivo. Isto ocorre porque interneurônios inibitórios adicionais contidos no NGL antagonizam mais células na periferia do campo receptivo a células contidas no centro do CR. (10)
Ainda no NGL chegam sinais moduladores de outras regiões do sistema nervoso central de áreas corticais e subcorticais. Temos neurotransmissores que são liberados no NGL vindos do Núcleo da Rafe; do Lócus Cerúleos e da região Parabraquial (1) (11) Impulsos dos centros motores para o NGL, integrados pela atenção, vindos do córtex visual; inibem no NGL os movimentos sacádicos enquanto estes são realizados (12). É possível resumir as funções do NGL como um entroncamento de sinais vindos da retina para o córtex visual primário, e aferências  modulatórios de V1 para o NGL (13) (14).
3.      Córtex Visual
O córtex visual realizará conscientização dos sinais enviados das primeiras regiões anatômicas da via. Análise de contorno, sombras, e plano de fundo são estruturadas para identificar o objeto de atenção. Avaliação de movimento feita por células especializadas em identificar a direção do movimento e a direção do movimento  em relação ao plano de fundo.  No processamento cromático, diferentes comprimentos de onda serão tratados
A região conhecida como córtex visual reúne diversas áreas funcionais em torno da visão, localizada na superfície medial do lobo temporal. A principal é a área visual primária (V1) ou área estriada. Nesta área chegam grande parte das fibras oriundas do NGL. Constituindo uma região extra-estriada, temos as áreas V2, V3, V4, V5 e V6.  (1)
Nessas áreas, os processos principais estão relacionados à simplesmente “ver”, portanto ainda uma região intermediária, diante de processos mais superiores de integração e associação localizados em outros centros. (15)
Desde os experimentos de Hubel e Wiesel com a injeção de aminoácidos radioativos em olhos de macacos, bem como estudos recentes de ressonância magnética funcional(16) , demonstra-se a organização cortical da representação dos dois olhos numa única área de V1. Cortes ortogonais de uma porção da superfície do córtex visual revelaram que a captação do marcador era feita em bandas de maior captação, entremeadas com bandas de nenhuma captação, somente explicadas após o experimento ter sido realizado no olho contralateral. A essa organização deu-se o nome de Colunas de Dominância Ocular, constituindo um sistema de representação modular dos dois olhos.
            Outro modulo de organização funcional encontrado no córtex visual foi descoberto a partir do estudo da atividade de uma enzima mitocondrial – citocromo-oxidase. Estudos eletrofisiológicos demonstraram que essas áreas eram insensíveis a estímulos de movimento e respondiam a estímulos de diferentes comprimentos de onda.
            De modo a processar informações de movimentos e orientação no espaço, uma forma de organização colunar apresenta respostas de neurônios a diferentes orientações no espaço. A direção do estímulo também possui organização semelhante em neurônios sensíveis a direção.
            Todos esses módulos de processamento são organizados em unidades chamadas de hipercolunas. Nesse tipo de organização e informação é processada em canais paralelos para cada tipo de sinal oriundo de neurônios específicos para forma, cor, movimento e orientação no espaço.
Luiz Cláudio Santos de Souza Lima
Referencias:
1. LENT, ROBERT. Visão das Coisas In:. Cem Bilhões de Neurônios - Conceitos Fundamentais de Neurociências. 1. São Paulo : Editora Atheneu, 2002, 9, pp. 271-309.
2. SCHNEIDER, KEITH A. and KASTNER, SABINE. Effects of Sustained Spatial Attention in the Human Lateral Geniculate Nucleus and Superior Colliculus. The Journal of Neuroscience. 2009, Vol. 29(6), pp. 1784 –1795.
3. Eggers, Erika D. and Lukasiewicz, Peter D. Interneuron Circuits Tune Inhibition in Retinal Bipolar Cells. J Neurophysiol. 2010, 103, pp. 25-37.
4. Puthussery, Theresa, et al. Differential loss and preservation of glutamate receptor function in bipolar cells in the rd10 mouse model of retinitis pigmentosa. European Journal of Neuroscience. Vol. 29, pp. 1533–1542, 2009.
5. Wässle, Heinz, et al. Glycinergic transmission in the mammalian retina. Frontiers in Molecular Neuroscience. 2009, Vol. 2:6, pp. 1-12.
6. Werblin, F. S., & Dowling, J. E. Organization of Retina of the Mudpuppy, Necturus maculosus. I - Synaptic Structure. Journal of Neurophysiology, 32, 315–338. 1969.
7. —. Organization of the retina of the mudpuppy, Necturus maculosus. II. Intracellular recording. Journal of Neurophysiology,32, 339–355. 1969.
8. Molnar, A., et al. Crossover inhibition in the retina: circuitry that compensates for nonlinear rectifying synaptic transmission. J Comput Neurosci (2009) 27:569–590.
9. Masuda, Osamu e Uchikawa, Keiji. Temporal integration of the chromatic channels in peripheral vision. 2009, Vol. 49, pp. 622-636.
10. Uglesich, Robert, Casti, Alex e Kaplan, Ehud. Stimulus size dependence of information transfer. Octuber de 2009, Vol. 3(10), pp. 1-9.
11. McAlonan, Kerry, Cavanaugh, James e Wurtz, Robert H. Guarding the gateway to cortex: attention in visual thalamus. Nature. 2008 November 20; 456(7220): 391–394. doi:10.1038/nature07382. 456, 2008, Vol. 456, 7220, pp. 391-394.
12. Chahine, George e Krekelberg, Bart. Cortical Contributions to Saccadic Suppression. PLOS ONE. 2009, Vol. 4 Issue 9.
13. Briggs, Farran e Usrey, W. Martin. Parallel Processing in the Corticogeniculate Pathway of the Macaque Monkey. Neuron. 62(1), April de 2009 April 16; 62(1): 135–, pp. 135-146.
14. Sincich, Lawrence C., Horton, Jonathan C. e Sharpee, Tatyana O. Preserving information in neural transmission. 29(19), 13 de May de 2009, pp. 6207-6216.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Detecção precoce do estrabismo e tratamento imediato.

“A vida tem a nos oferecer coisas que somos incapazes de ver durante algum tempo, porque é preciso fazer grande esforço para sair da câmara escura em que muitas vezes a infância nos colocou. Mas, quando a pessoa vê a luz, não consegue esquecê-la”. Isabelle Adjani – Atriz francesa



O estrabismo é um distúrbio da motilidade ocular e do alinhamento dos olhos;  é uma doença que tende a acometer a parcela mais nobre e indefesa de nossa população que é a infância. Agravando-se ainda mais por surgir nas fases iniciais de desenvolvimento, afeta não só o desenvolvimento da visão, mas de todas as outras habilidades em desenvolvimento neste momento, como a capacidade motora e o aprendizado (1) (2) (3).

               As adaptações do sistema nervoso em desenvolvimento diante do desalinhamento dos olhos são graves a ponto de suprimir a visão no olho estrábico - ambliopia - e levar a perdas progressivas da capacidade visual e da noção espacial de profundidade.  (2) (4)

               Não bastassem as perdas sensoriais, que afetarão a qualidade de vida futura gerando limitações profissionais, a criança sofre ainda desde seus primeiros contatos sociais, a discriminação diante do defeito estético e todos os transtornos psicológicos gerados por uma socialização negativa no ambiente escolar. (5) (6)

               Nesse processo, os profissionais de saúde de todos os níveis e especialidades voltados à atenção infantil são conhecedores de suas responsabilidades na detecção e prevenção da cegueira. Uma luta contra o tempo, uma vez que sabemos que cada dia de desenvolvimento anômalo deve ser igualmente compensado com igual tempo de estimulação adequada. Em outras palavras, se foram dois anos sem tratamento, podem ser necessários até mais dois anos ou mais de tratamento para uma recuperação (7) (8) (9).

               O que nos estimula como oftalmologista é que diariamente constatamos recuperações e até mesmo cura de alguns casos em boa parcela de crianças que chegam até nos em tempo hábil suficiente e semelhantes aquelas encontradas nos diversos estudos.  (10) (11) (12). Mas há um tempo curto para esses resultados que é a primeira década de vida. Uma verdadeira corrida contra o tempo.

               Programas de triagem, treinamento de profissionais de outras áreas como educadores e igual suporte de recursos aos profissionais que darão a atenção final não são mais custosos do que os gastos sociais e econômicos gerados pelo paciente não tratado na idade adulta ou aos riscos de cegueira por acometimento do olho são, que ocorre nesta população.  (8)

               Óculos, tratamento ortóptico, consultas de acompanhamento e cirurgias de estrabismo representam a totalidade dos tratamentos. Quase nunca necessitamos de implante de próteses, exames caros e sofisticados e medicamentos de alto custo. Isso não nos faz melhor ou pior que as outras especialidades, mas nos diferencia em termos de resultados e custos (7). (13) (14)

               Temos certeza que todo nosso esforço e atenção resultarão não só numa melhor qualidade de vida aos pequenos, mas um sorriso no rosto daqueles que cuidarão de nos no futuro.
Luiz Cláudio Santos de Souza Lima

  Referências:

1. Grant, Simon, DR, Melmoth e AL, Finlay. Prehension deficits in amblyopia. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2007 Mar;48(3):1139-48.

2. PARKS, MARSHALL M. Binocular Vision Adaptations In Strabismus. [book auth.] Duane. [ed.] Willians Tasman and Eduard A. Jaeger. Duane´s Ophtalmology on CD-ROM. Version 3.1. Philadelphia : J.B. Lippincot Company, 1995, Vol. Vol 1, 8.

3. R, Karadag, R, Yagci e M, Erdurmus. Ocular findings in individuals with intellectual disability. Can J Ophthalmol. 2007 Oct;42(5):703-6.

4. KARATAS, M. Internuclear and supranuclear disorders of eye movements:clinical features and causes. Eur J Neurol. Sep 1 de 2009, Vol. 16(12), pp. 1265-77.

5. Archer, Steven M. Social and emotional impact of strabismus surgery on quality of life in children. J AAPOS. 2005 Apr;9(2):148-51.

6. G, Wen, McKean-Cowdin, Roberta e Tarczy-Hornoch, Kristina. General health-related quality of life in preschool children with strabismus or amblyopia. Ophthalmology. 2011 Mar;118(3):574-80. Epub 2010 Sep 29.

7. Almeida, Luciana Ottaiano Cerântola de. Análise do custo do tratamento da ambliopia para o paciente em hospital universitário. Arq. Bras. Oftalmol. vol.68 no.4 São Paulo July/Aug. 2005.

8. Oliveira AM, Fernandes BM, Costa L, Lima A, Couto Junior AS, Portes A. Detecção de ambliopia, ametropias e fatores ambliogênicos em comunidade assistida por Programa da Saúde da familia, no Rio de Janeiro, Brasil. Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (2): 110-13.

9. PRIETO-DIAZ, JULIO e SOUZA-DIAS, CARLOS. Motilidade Ocular. [A. do livro] JULIO PRIETO DIAZ e CARLOS SOUZA DIAS. Estrabismo. 4a. São Paulo : Santos, 2002b, pp. 63-148.

10. HELVESTON, EUGENE M., et al. Results of Early Alignment of Congenital Esotropia. Ophthalmology. 106, 1999, pp. 1716-1726.

11. Negreira, P, E, Cecilia e Rodrigues, L et all. Rehabilitación visual en niños ambliopes / Visual rehabilitation of amblyopic children. Rev. cuba. oftalmol;22(2):34-42, jul.-dic. 2009.

12. DROVER, JR, et al. Improvement in motor development following surgery for infantile esotropia. J AAPOS. Apr;12(2):136-40.EPUB 2007, 2008.

13. Beauchamp, Cynthia L e Felius, Joost. The economic value added (EVA) resulting from medical care of functional amblyopia, strabismus, (pathologies of binocular vision) and asthma. Binocul Vis Strabismus Q. 2010;25(4):206-16.

14. FERREIRA, LUIS EURICO. Tratamento Óptico e Farmacológico. [ed.] Centro Brasileiro de Estrabismo. Santos : RC Editoras, 2001, pp. 333-339.