Há poucos dias uma rotina do consultório, exame e emissão de laudo sobre as competências visuais de um cliente, despertou-me uma série de considerações sobre nossa capacidade de perceber nossas aptidões sensoriais no cotidiano e até que ponto elas nos são úteis.
O cliente em questão era candidato a EPCAR – curso de excelência do ministério de defesa para formação de cadetes – e futuro aviador. Dada às aptidões que um piloto deve possuir, é compreensível o nível de exigência cobrado dos candidatos.
Realizados os testes de praxe; de acuidade visual; passamos por outros que analisamos a saúde e a fisiologia do globo ocular e chegamos aos que determinam o quão harmonioso nossos dois olhos interagem para dos fornecer a Visão Binocular.
A perfeita integração da imagem que chega aos dois olhos deve inicialmente possuir uma qualidade mínima que permita; aos centros corticais que recebem os potenciais de ação gerados nos fotorreceptores da retina; a percepção de uma imagem única.
Imperfeição nos meios por onde a luz passa – córnea; cristalino; humor aquoso; vítreo e retina – podem impedir que a imagem se forme de acordo com o modo que o cérebro aprendeu a perceber a realidade.
Se uma imagem nítida fez parte desse aprendizado; desde os primeiros meses de vida; estimulando simetricamente as células da retina dos dois olhos; gerando vias facilitadoras ao escoamento da informação – sinapses – entre as células da via óptica até seu centro cortical; estas serão o padrão de referência para ativação adequada do sistema.
Em outras palavras – inconscientemente nos recebemos uma imagem nítida de um olho e uma imagem igualmente nítida de outro olho e realização a sobreposição ou interpretação de uma única imagem. Esse fenômeno é chamado de reflexo de fusão.
Espera-se que imperfeições dos meios como as ametropias – hipermetropias, astigmatismo; miopias – estejam adequadamente corrigidas ou compensadas por esforço do seu portador; para que essa integração ocorra.
Outro requisito importante à fusão das imagens e o alinhamento adequado dos olhos para que a imagem do objeto de atenção possa ser a mesma a chegar a ambas as retinas. Se um olho estiver alinhado com o eixo visual e o outro adotar qualquer outra posição que não seja esta, duas imagens diferentes chegarão à retina. Isso provoca, de acordo com o grau de desvio, sintomas desconfortáveis, o principal deles e a percepção de imagens duplicadas - a diplopia.
Isso ocorre porque existe uma correspondência entre grupamentos de fotorreceptores de um olho que funcionam em correspondência espacial com grupamentos de outro olho. Imagens que chegam aos olhos estimulam grupamentos posicionados na mesma região. Depois de estimuladas; ás células fotorreceptoras enviam seus potenciais de ação de forma a representar essa projeção espacial até o córtex occipital área responsável pelo processamento visual e integração com outros centros cognitivos.
Para entender melhor a correspondência retiniana; imagine que sempre que você quisesse telefonar para um amigo ou parente, você estabelecesse certas regras para iniciar a comunicação que lhe permitisse saber exatamente o posicionamento de seu interlocutor, com ambos virados para o sul, sentados em seu quarto no terceiro andar do seu prédio, que fica no mesmo nível do mar; com ambos vestindo vermelho; etc.
Essas informações permitem que as imagens que chegam ao cérebro carreguem não só características de luminosidade; cor; tamanho; mas igualmente seja uma representação posicional do ambiente. Mas ainda, se objetos de movem no campo visual. Isso só é possível diante de uma citoarquitetura hierarquicamente projetada até o cérebro.
Então, antes de voltar ao nosso candidato a piloto, vamos complicar mais um pouco. Imagine que você observa um ponto no espaço. Seus olhos estão alinhados e você o percebe como único. Uma linha imaginária passa por esse ponto e chega a um grupo celular da sua retina. Outra linha liga esse ponto a grupos celulares correspondentes da outra retina. Ambas as linhas se encontram neste ponto, mas devido à separação entre os olhos, essas linhas se cruzarão neste ponto. Na realidade, se nesse momento você olhar para sua sala de estar e não estiver vendo coisas duplicadas e porque para cada ponto que olhas, essas linhas se cruzam.
Você já percebeu que para qualquer ponto que olhar esse ponto único está lá. Agora imagine a união de todos esses pontos formando um plano, na verdade formando uma superfície imaginária tridimensional onde todos os pontos são percebidos como único – esse plano no espaço se chama horóptero.
Uma nuvem de pontos no espaço está ao redor do horóptero e também são percebidos como únicos. Essa região do espaço é chamada de área de Panun, a diferença que essa região fornece a sensação de visão única.
Agora realize o seguinte experimento. Pegue um lápis e estique seu braço de modo que o lápis fique na vertical. Do mesmo modo com a mão esquerda pegue outro lápis e deixe-o a meia distância entre o da mão direita, mas no mesmo eixo de visão e tente sobrepor-los. Você instintivamente tenta fechar um dos olhos. Com os dois olhos abertos você percebera um deles sempre duplo. Essa e a diplopia fisiológica e estimula áreas não correspondes, mas muito próximas.
Esse fenômeno permite a sensação de posição relativa de objetos no espaço através da visão binocular. O experimento acima é um teste grosseiro da capacidade estereoscópica, mas outros mais sofisticados podem avaliar melhor essa
função.
É compreensível a cobrança de níveis elevados de integridade visual e harmonia entre os olhos para os futuros aviadores. A diferença entre ter ou não essas habilidades pode ser crucial num momento de crise e na tomada de decisão.
Para saber mais:
1) MOGO, S. Intrdução a Introdução ao estudo da visão binocular - Análise Optométrica Departamento de Física Universidade da Beira Interior. 2007 / 08Bibliografia:
1) NOORDEN, Gunter K von. Binocular Vision and Ocular Motility - Theory and Management of Strabismus. fifth edition, Mosby, Houston, Texas, 1995