quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Aspectos funcionais do sistema visual.

Introdução


O
 Sistema Visual dos vertebrados realiza duas funções básicas fundamentais para a sobrevivência das espécies. A Percepção e a localização de objetos no espaço permitido. Uma terceira função do sistema visual está ligada a homeóstase, com a regulação de hormônios na corrente sanguínea e o ciclo circadiano (1)Neste artigo, trataremos das duas primeiras funções do Sistema Visual consideradas perceptíveis; sua especialização e organização tecidual. Uma revisão de estudos publicados recentemente é aqui disponibilizada.
                                                                                            
Organização Anatômica

O sinais iniciados pelas células fotorreceptoras da retina são projetados à quatro núcleos com funções distintas. O (1) núcleo geniculado lateral para percepção da imagem; (2) o Colículo Superior para controle dos movimentos oculares; (3) núcleo Pré-tectal para o controle pupilar e (4) o núcleo Supraquiasmático para controle do ritmo circadiano e hormonal (2)
1.      Retina.
            O processamento da informação visual se inicia na retina com padrões de luminâncias que incidem sobre os fotorreptores. A identificação do objeto ocorre mediante o contraste de suas bordas limites com o ambiente e seu nível de iluminação de fundo (3).
            Fotorreceptores enviam sinais para as células bipolares na camada nuclear interna; que por sua vez se comunicam com as células ganglionares da retina. Outros dois grupamentos celulares exercem conexões transversais. As células horizontais conectam cones e bastonetes através de ligações laterais na camada plexiforme externa. Células amácrinas realizam conexões laterais entre terminações de uma célula bipolar a outras na camada plexiforme interna. Essas conexões são realizadas através da liberação glutamato (4) nas terminações dendríticas dos fotorreceptores. Glicina e GABA são neurotransmissores inibidores liberados pelas células amácrinas (5). Geração de potencial de ação é encontrado somente nas células ganglionares devido ao seu grande corpo celular que se estende até e os neurônios localizados no NGL.
            As ligações transversais realizam a comparação de sinais que incidem sobre diferentes partes da retina. Para compreender como esses sinais são comparados o conceito de campo receptivo é importante. Definido como a região do campo visual em que mudanças de luminosidade afetarão a função das células contidas no campo. A luz que incide sobre fotorreceptores ligados as células bipolares despolarizantes fará despolarização desse grupo de células.  Já fótons que incidem nos fotorreceptores que se ligam indiretamente por meio de células horizontais irão antagonizar esse efeito. As conexões diretas formam o centro do campo receptivo, enquanto as conexões indiretas formam sua periferia.  Células bipolares despolarizantes são ativadas no centro do campo receptivo por objetos brilhantes; teremos assim o tipo de  resposta  chamada ON. Em oposição; células bipolares hiperpolarizantes respondem a objetos que são mais escuros que seu fundo. Por conseguinte, a luz que incide no centro de seu campo receptivo hiperpolariza suas células e despolariza as células na periferia do campo receptivo; temos assim a resposta OFF (6) (7)
            As células amácrinas realizam conexões entre circuitos de células bipolares ON e OFF de forma linear e de forma não-linear; levando inibição ON às células OFF e transportam OFF inibição às células ON (inibição “crossover"). Essas conexões possuem um papel modulador dos campos receptivos e atuam na distinção de brilho e contraste. A compreensão desses circuitos pode ser importante para construção de circuitos eletrônicos análogos. (8)
                O processamento cromático se inicia na retina. Três tipos de cones, que absorvem a luz de comprimentos de onda longos (L), comprimentos onda de luz média (M) e comprimentos de onda de luz curtos (S). Uma classe de célula ganglionar chamada de célula ganglionar bi-estratificada pequena, que recebe entrada dos cones S na Sublamina ON através da célula bipolar do cone azul e entrada de cones L e M na Sublamina OFF  por meio de uma célula bipolar difusa. A soma desses inputs produz uma resposta ON da luz azul e uma resposta OFF da luz amarela . O circuito de respostas de vermelho/verde não é totalmente claro, mas devem ocorrer aí células  ganglionares com de respostas ON para luz a vermelha e OFF respostas para a luz verde e vice-versa.
2.      Núcleo Geniculado Lateral.
O Núcleo Geniculado Lateral recebe os potenciais de ação gerados pelas células ganglionares da retina e os envia para o córtex visual. Antes se estruturam em seis camadas encontradas nos primatas. Quatro camadas dorsais constituídas de pequenas células chamadas de Camada Parvocelular  (P), e em duas camadas ventrais de células largas – Camada Magnocelular (M). Impulsos do mesmo olho chegam às camadas 2, 3 e 5. As camadas 1, 4 e 6 recebem impulsos contralaterais. Estudos eletropsicofísicos e histoquímicos identificaram uma terceira camada de células – camada Koniocellular – ou camada K, em estudos realizados em macacos. Sua função ainda não foi bem definida, mas há evidencias de que faça parte de uma via de processamento paralelo ligada a cones S. (9)
O sistema de campos receptivos (ON/OFF) é semelhante ao da retina; bem como a codificação verde/vermelho e azul/amarelo e seus respectivos interneurônios. Embora essa organização seja semelhante; a resposta a luz branca é menos intensa no centro do campo receptivo. Isto ocorre porque interneurônios inibitórios adicionais contidos no NGL antagonizam mais células na periferia do campo receptivo a células contidas no centro do CR. (10)
Ainda no NGL chegam sinais moduladores de outras regiões do sistema nervoso central de áreas corticais e subcorticais. Temos neurotransmissores que são liberados no NGL vindos do Núcleo da Rafe; do Lócus Cerúleos e da região Parabraquial (1) (11) Impulsos dos centros motores para o NGL, integrados pela atenção, vindos do córtex visual; inibem no NGL os movimentos sacádicos enquanto estes são realizados (12). É possível resumir as funções do NGL como um entroncamento de sinais vindos da retina para o córtex visual primário, e aferências  modulatórios de V1 para o NGL (13) (14).
3.      Córtex Visual
O córtex visual realizará conscientização dos sinais enviados das primeiras regiões anatômicas da via. Análise de contorno, sombras, e plano de fundo são estruturadas para identificar o objeto de atenção. Avaliação de movimento feita por células especializadas em identificar a direção do movimento e a direção do movimento  em relação ao plano de fundo.  No processamento cromático, diferentes comprimentos de onda serão tratados
A região conhecida como córtex visual reúne diversas áreas funcionais em torno da visão, localizada na superfície medial do lobo temporal. A principal é a área visual primária (V1) ou área estriada. Nesta área chegam grande parte das fibras oriundas do NGL. Constituindo uma região extra-estriada, temos as áreas V2, V3, V4, V5 e V6.  (1)
Nessas áreas, os processos principais estão relacionados à simplesmente “ver”, portanto ainda uma região intermediária, diante de processos mais superiores de integração e associação localizados em outros centros. (15)
Desde os experimentos de Hubel e Wiesel com a injeção de aminoácidos radioativos em olhos de macacos, bem como estudos recentes de ressonância magnética funcional(16) , demonstra-se a organização cortical da representação dos dois olhos numa única área de V1. Cortes ortogonais de uma porção da superfície do córtex visual revelaram que a captação do marcador era feita em bandas de maior captação, entremeadas com bandas de nenhuma captação, somente explicadas após o experimento ter sido realizado no olho contralateral. A essa organização deu-se o nome de Colunas de Dominância Ocular, constituindo um sistema de representação modular dos dois olhos.
            Outro modulo de organização funcional encontrado no córtex visual foi descoberto a partir do estudo da atividade de uma enzima mitocondrial – citocromo-oxidase. Estudos eletrofisiológicos demonstraram que essas áreas eram insensíveis a estímulos de movimento e respondiam a estímulos de diferentes comprimentos de onda.
            De modo a processar informações de movimentos e orientação no espaço, uma forma de organização colunar apresenta respostas de neurônios a diferentes orientações no espaço. A direção do estímulo também possui organização semelhante em neurônios sensíveis a direção.
            Todos esses módulos de processamento são organizados em unidades chamadas de hipercolunas. Nesse tipo de organização e informação é processada em canais paralelos para cada tipo de sinal oriundo de neurônios específicos para forma, cor, movimento e orientação no espaço.
Luiz Cláudio Santos de Souza Lima
Referencias:
1. LENT, ROBERT. Visão das Coisas In:. Cem Bilhões de Neurônios - Conceitos Fundamentais de Neurociências. 1. São Paulo : Editora Atheneu, 2002, 9, pp. 271-309.
2. SCHNEIDER, KEITH A. and KASTNER, SABINE. Effects of Sustained Spatial Attention in the Human Lateral Geniculate Nucleus and Superior Colliculus. The Journal of Neuroscience. 2009, Vol. 29(6), pp. 1784 –1795.
3. Eggers, Erika D. and Lukasiewicz, Peter D. Interneuron Circuits Tune Inhibition in Retinal Bipolar Cells. J Neurophysiol. 2010, 103, pp. 25-37.
4. Puthussery, Theresa, et al. Differential loss and preservation of glutamate receptor function in bipolar cells in the rd10 mouse model of retinitis pigmentosa. European Journal of Neuroscience. Vol. 29, pp. 1533–1542, 2009.
5. Wässle, Heinz, et al. Glycinergic transmission in the mammalian retina. Frontiers in Molecular Neuroscience. 2009, Vol. 2:6, pp. 1-12.
6. Werblin, F. S., & Dowling, J. E. Organization of Retina of the Mudpuppy, Necturus maculosus. I - Synaptic Structure. Journal of Neurophysiology, 32, 315–338. 1969.
7. —. Organization of the retina of the mudpuppy, Necturus maculosus. II. Intracellular recording. Journal of Neurophysiology,32, 339–355. 1969.
8. Molnar, A., et al. Crossover inhibition in the retina: circuitry that compensates for nonlinear rectifying synaptic transmission. J Comput Neurosci (2009) 27:569–590.
9. Masuda, Osamu e Uchikawa, Keiji. Temporal integration of the chromatic channels in peripheral vision. 2009, Vol. 49, pp. 622-636.
10. Uglesich, Robert, Casti, Alex e Kaplan, Ehud. Stimulus size dependence of information transfer. Octuber de 2009, Vol. 3(10), pp. 1-9.
11. McAlonan, Kerry, Cavanaugh, James e Wurtz, Robert H. Guarding the gateway to cortex: attention in visual thalamus. Nature. 2008 November 20; 456(7220): 391–394. doi:10.1038/nature07382. 456, 2008, Vol. 456, 7220, pp. 391-394.
12. Chahine, George e Krekelberg, Bart. Cortical Contributions to Saccadic Suppression. PLOS ONE. 2009, Vol. 4 Issue 9.
13. Briggs, Farran e Usrey, W. Martin. Parallel Processing in the Corticogeniculate Pathway of the Macaque Monkey. Neuron. 62(1), April de 2009 April 16; 62(1): 135–, pp. 135-146.
14. Sincich, Lawrence C., Horton, Jonathan C. e Sharpee, Tatyana O. Preserving information in neural transmission. 29(19), 13 de May de 2009, pp. 6207-6216.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Detecção precoce do estrabismo e tratamento imediato.

“A vida tem a nos oferecer coisas que somos incapazes de ver durante algum tempo, porque é preciso fazer grande esforço para sair da câmara escura em que muitas vezes a infância nos colocou. Mas, quando a pessoa vê a luz, não consegue esquecê-la”. Isabelle Adjani – Atriz francesa



O estrabismo é um distúrbio da motilidade ocular e do alinhamento dos olhos;  é uma doença que tende a acometer a parcela mais nobre e indefesa de nossa população que é a infância. Agravando-se ainda mais por surgir nas fases iniciais de desenvolvimento, afeta não só o desenvolvimento da visão, mas de todas as outras habilidades em desenvolvimento neste momento, como a capacidade motora e o aprendizado (1) (2) (3).

               As adaptações do sistema nervoso em desenvolvimento diante do desalinhamento dos olhos são graves a ponto de suprimir a visão no olho estrábico - ambliopia - e levar a perdas progressivas da capacidade visual e da noção espacial de profundidade.  (2) (4)

               Não bastassem as perdas sensoriais, que afetarão a qualidade de vida futura gerando limitações profissionais, a criança sofre ainda desde seus primeiros contatos sociais, a discriminação diante do defeito estético e todos os transtornos psicológicos gerados por uma socialização negativa no ambiente escolar. (5) (6)

               Nesse processo, os profissionais de saúde de todos os níveis e especialidades voltados à atenção infantil são conhecedores de suas responsabilidades na detecção e prevenção da cegueira. Uma luta contra o tempo, uma vez que sabemos que cada dia de desenvolvimento anômalo deve ser igualmente compensado com igual tempo de estimulação adequada. Em outras palavras, se foram dois anos sem tratamento, podem ser necessários até mais dois anos ou mais de tratamento para uma recuperação (7) (8) (9).

               O que nos estimula como oftalmologista é que diariamente constatamos recuperações e até mesmo cura de alguns casos em boa parcela de crianças que chegam até nos em tempo hábil suficiente e semelhantes aquelas encontradas nos diversos estudos.  (10) (11) (12). Mas há um tempo curto para esses resultados que é a primeira década de vida. Uma verdadeira corrida contra o tempo.

               Programas de triagem, treinamento de profissionais de outras áreas como educadores e igual suporte de recursos aos profissionais que darão a atenção final não são mais custosos do que os gastos sociais e econômicos gerados pelo paciente não tratado na idade adulta ou aos riscos de cegueira por acometimento do olho são, que ocorre nesta população.  (8)

               Óculos, tratamento ortóptico, consultas de acompanhamento e cirurgias de estrabismo representam a totalidade dos tratamentos. Quase nunca necessitamos de implante de próteses, exames caros e sofisticados e medicamentos de alto custo. Isso não nos faz melhor ou pior que as outras especialidades, mas nos diferencia em termos de resultados e custos (7). (13) (14)

               Temos certeza que todo nosso esforço e atenção resultarão não só numa melhor qualidade de vida aos pequenos, mas um sorriso no rosto daqueles que cuidarão de nos no futuro.
Luiz Cláudio Santos de Souza Lima

  Referências:

1. Grant, Simon, DR, Melmoth e AL, Finlay. Prehension deficits in amblyopia. Invest Ophthalmol Vis Sci. 2007 Mar;48(3):1139-48.

2. PARKS, MARSHALL M. Binocular Vision Adaptations In Strabismus. [book auth.] Duane. [ed.] Willians Tasman and Eduard A. Jaeger. Duane´s Ophtalmology on CD-ROM. Version 3.1. Philadelphia : J.B. Lippincot Company, 1995, Vol. Vol 1, 8.

3. R, Karadag, R, Yagci e M, Erdurmus. Ocular findings in individuals with intellectual disability. Can J Ophthalmol. 2007 Oct;42(5):703-6.

4. KARATAS, M. Internuclear and supranuclear disorders of eye movements:clinical features and causes. Eur J Neurol. Sep 1 de 2009, Vol. 16(12), pp. 1265-77.

5. Archer, Steven M. Social and emotional impact of strabismus surgery on quality of life in children. J AAPOS. 2005 Apr;9(2):148-51.

6. G, Wen, McKean-Cowdin, Roberta e Tarczy-Hornoch, Kristina. General health-related quality of life in preschool children with strabismus or amblyopia. Ophthalmology. 2011 Mar;118(3):574-80. Epub 2010 Sep 29.

7. Almeida, Luciana Ottaiano Cerântola de. Análise do custo do tratamento da ambliopia para o paciente em hospital universitário. Arq. Bras. Oftalmol. vol.68 no.4 São Paulo July/Aug. 2005.

8. Oliveira AM, Fernandes BM, Costa L, Lima A, Couto Junior AS, Portes A. Detecção de ambliopia, ametropias e fatores ambliogênicos em comunidade assistida por Programa da Saúde da familia, no Rio de Janeiro, Brasil. Rev Bras Oftalmol. 2010; 69 (2): 110-13.

9. PRIETO-DIAZ, JULIO e SOUZA-DIAS, CARLOS. Motilidade Ocular. [A. do livro] JULIO PRIETO DIAZ e CARLOS SOUZA DIAS. Estrabismo. 4a. São Paulo : Santos, 2002b, pp. 63-148.

10. HELVESTON, EUGENE M., et al. Results of Early Alignment of Congenital Esotropia. Ophthalmology. 106, 1999, pp. 1716-1726.

11. Negreira, P, E, Cecilia e Rodrigues, L et all. Rehabilitación visual en niños ambliopes / Visual rehabilitation of amblyopic children. Rev. cuba. oftalmol;22(2):34-42, jul.-dic. 2009.

12. DROVER, JR, et al. Improvement in motor development following surgery for infantile esotropia. J AAPOS. Apr;12(2):136-40.EPUB 2007, 2008.

13. Beauchamp, Cynthia L e Felius, Joost. The economic value added (EVA) resulting from medical care of functional amblyopia, strabismus, (pathologies of binocular vision) and asthma. Binocul Vis Strabismus Q. 2010;25(4):206-16.

14. FERREIRA, LUIS EURICO. Tratamento Óptico e Farmacológico. [ed.] Centro Brasileiro de Estrabismo. Santos : RC Editoras, 2001, pp. 333-339.


domingo, 23 de janeiro de 2011

Sinais da natureza, tragédias e fenômenos naturais: Um novo relacionamento do homem com natureza em tempos de mudanças climáticas.

Diversas análises podem ser feitas diante das catástrofes que ceifaram vidas recentemente na região serrana do Rio de Janeiro, onde até o momento 800 mortos e 200 desaparecidos marcam a que pode ser uma das maiores tragédias ocorridas no Brasil* como resultado de fenômenos naturais.


Dessas avaliações sempre se busca culpados quase que como parte de todo enredo que se segue após esses episódios. Falam-se mais uma vez da prevenção que deveria ser feita ou que se deve fazer no futuro.

Questiono se essa lógica isolada resultará em projetos efetivos para que se possa realmente prevenir o seguimento de fenômenos naturais em áreas de risco, afetando preferencialmente populações pobres.

Independente de qualquer decisão vinda do poder público, necessária sem dúvida, é preciso uma mudança muita mais construtiva e efetiva no sentido de uma educação da forma como o homem se relaciona com a natureza. Uma mudança muito lenta com certeza para resultados em curto prazo, infelizmente.

Parte desse novo relacionamento do homem com seu meio ambiente pode ser feito com a simples avaliação e observação da natureza e seus sinais. Os sentidos treinados ou em sintonia com o meio ambiente já foram capazes de assegurar a sobrevivência da espécie.

Nossa espécie quase foi à extinção com o fim da última era glacial 1. O clima se tornou quente e seco, provocando a redução do alimento principal da megafauna. O nível do mar começou a subir como resultado do degelo e locais aonde havia planícies com alimento, foram alagadas.

Os antepassados europeus do homo sapiens – o Cro-magnon 2 – que dominavam a região e eram habilidosos na criação de utensílios de caça começaram a entrar em decadência por volta de 10.000 AC, sentiram drasticamente as mudanças no clima.

Houve migração de comunidades de hominídeos 3 e a caça - já predatória a época - obrigou animais igualmente a se refugiarem em terras do norte de clima ainda frio. O homem era obrigado a se deslocar na direção das manadas. Era possível prever que em ambientes de escassez de alimentos não houvesse também conflitos entre homens.

Conhecer a natureza em tempos de forte mudança climática foi fundamental para a sobrevivência. Os hominídeos atuais se vêem diante de um período de aquecimento da temperatura media global 4 e o fim de um período de estabilidade climática e as vésperas de uma nova glaciação.

As comunidades atuais não poderão esperar que seus governos respondam de imediato, quando já não fizeram no passado. Somente com grandes investimentos e formação de profissionais especializados. Os governantes precisam saber ouvir a ciência 5 e as evidências da relação entre mudanças climáticas e fenômenos naturais, na forma de pesquisas e uso de tecnologia adequada que poderá amenizar seus efeitos.

O cidadão por sua vez, deve observar a natureza respeitando, por exemplo, o curso natural dos rios. Construir suas casas em locais geologicamente seguros sem degradar a natureza ao redor.

O homem 6 novamente deverá saber observar a natureza. Seus sinais estão no comportamento das marés, nas fases da lua, na mudança de estações, na migração das aves, as florações e frutificações, no aumento de populações de insetos e pragas, nas doenças antigas e novas. São sinais subjetivos, que dependem muito da intuição, mas que provavelmente os sábios do passado souberam aproveitar e interpretar, salvando seu grupo ou tribo.

Se podemos sempre tirar lições de tragédias e aprendermos com a adversidade, devemos ser capazes de mudar nosso comportamento, com a velocidade da sociedade da informação. Uma nova mentalidade deverá surgir. Devemos ter a compreensão de que fazemos parte de um universo, onde a vida é um evento raro e regido pelas regras da natureza, que a ciência pode nos traduzir.

* A tragédia da Serra das Araras, no km 54 da rodovia presidente Dutra, ocorrida em 1967, possui estimativas contraditórias. A falta de recursos da época e a censura à imprensa do regime militar. Estima-se que foram 1.500 mortos. http://diariodovale.uol.com.br/noticias/4,34411.html#axzz1BuRhyr2p

Referencias:

1) Wisconsin glaciation – The Chemistry Encyclopedia: http://www.chemistrydaily.com/chemistry/Wisconsin_glaciation

2) Origens of Humankind – Evolution Home : http://www.blogger.com/goog_273705225

3) Y-Chromosome Evidence for a Northward Migration of Modern Humans into Eastern Asia during the Last Ice Age. SU, BING et al. The American Journal of Human Genetics, Volume 65, Issue 6, 1718-1724, 1 December 1999

4) Alterações climáticas – Grenproject: https://sites.google.com/site/greenprojectcom/Pgina-inicial/mudancas-climaticas-naturais

5) Climate Change and Natural Disasters: Scientific evidence of a possible relation between recent natural disasters and climate change : http://www.europarl.europa.eu/comparl/envi/pdf/externalexpertise/ieep_6leg/naturaldisasters.pdf



6) The evolution of man – BBC home: http://www.bbc.co.uk/sn/prehistoric_life/human/human_evolution/



Links para saber mais:

Mudanças Climáticas Globais e Educação Ambiental: http://mudancasclimaticas-educacaoambiental.blogspot.com/

Fator Ambiental: http://www.fatorambiental.com.br/index.html

sábado, 1 de janeiro de 2011

Menos reptilidade em 2011.


A indução propicia o progresso da Ciência à custas de riscos que lhe são inerentes. Representa uma generalização com base na observação de um mesmo fato que se repete. Se se repete, repertir-se-á sempre e da mesma maneira, imagine-se. Sim isso só é verdade se as circunstâncias que acompanharam os fatos primeiramente observados se repetirem nos fatos subseqüentes. É preciso ainda acreditar que a natureza não seja caótica, desordenada, desarmônica, intimamente sem leis e sem regras. Temos de crer na unidade e na regularidade da natureza.”

Newton Freire-Maia in ‘A Verdade da Ciência e Outras Verdades’

A proposta de classificar um conjunto de áreas do cérebro baseada numa neuroanatomia comparada evolutiva dos vertebrados foi proposta em 1960 pelo neurocientista Paul D. Macclean, conhecida como cérebro triuno. Neste conceito, partes do encéfalo dos vertebrados atuais acumulam sistemas primitivos herdados pela evolução.

Sua aceitação no meio científico não é uma unaminidade entre as áreas de estudos afins, no entanto é aceita pela psicologia como uma forma de compreender o comportamento. Segundo McLean, o cérebro, do ponto de vista evolutivo, pode ser dividido em três partes (cérebro triuno).



Cérebro protoreptílico - eixo fundamental do sistema nervoso central e o mais primitivo: medula espinhal, tronco cerebral, diencéfalo e núcleos da base. Seriam originais dessa região, comportamentos estereotipados baseados em memórias e aprendizagem ancestrais, intuitivos; de defesa, agressividade, dominância, territorialidade e dos rituais de exibição.



Cérebro paliomamífero - sistema límbico é composto pelo hipocampo, amígdala, hipotálamo, estruturas periventriculares. Mecanismos básicos para o autoconhecimento e das condições internas do corpo. Motivação e emoção são complexos sentimentos elaborados em conjunto com o córtex superior.



Cérebro neomamífero ou neocortex - córtex cerebral (principalmente o córtex frontal), proeminente em primatas. Responsável pelas funções cognitivas, análise do meio externo. Nesta região são realizadas os processos cognitivos complexos. Estariam aqui a habilidade de linguagem; abstração; planejamento e percepção.

O intuito desde post de final de ano não é discutirmos profundamente este empolgante tema da evolução do cérebro e se a hipótese de Mcclean está correta diante das novas técnicas de estudo utilizadas pela neurociência. Deixaremos para outra oportunidade.

Vamos por enquanto utilizar nosso neocortex para refletir sobre nossas reações primitivas ou reptilianas diante do debate entre ciência e religião, que nos últimos anos fervilham em blogs pela internet. Uma discussão que a meu ver está ganhando todo tipo de cores e paixões políticas quase “futebolísticas” quando são vistas ofensas desmedidas de ambas as partes.

A internet permite uma arena de discussão democrática em que representantes leigos opositores trocam certezas e defendem verdades absolutas; com muito pouca limitação encontrada nos debates acadêmicos. Não se encontra, portanto, uma real diferença no modo de pensar a realidade e de compreender os fenômenos da natureza, com explicações diferentes. A postura dos debatedores, quase sempre, não define de forma clara essa diferença.

A forma de a religião explicar a natureza e a realidade merece seu respeito e é possível encontrar contribuições igualmente importantes para a humanidade. Se fundamentalismo é o que chama mais atenção e faz mais barulho nos debates, não é representante do pensamento religioso.

Da mesma forma, o sectarismo daqueles que defendem mais que apaixonadamente uma forma de pensamento científico como uma verdade absoluta, de forma proselitista; para justificar seu ceticismo, não é conhecedor das limitações impostas pelo método científico.

Minha esperança para 2011 é de menos reações primitivas, reptilianas daqueles que defendem suas “verdades” e o reconhecimento que nossas representações da realidade são realmente uma projeção de nossa percepção do mundo, cheia de limitações.

domingo, 26 de dezembro de 2010

A origem dos nossos temores.


O medo é um dos nossos mais definidos sentimentos experimentados e compartilhados com os animais. Sentimos temor diante de ameaças e adquirimos ao longo da vida experiências que nos tornarão cautelosos, antecipando situações perigosas que podem causar dano ao nosso corpo ou despertar sensações desagradáveis.

Sentir medo na proporção adequada pode ser importante para nossa proteção e funcionamento de nosso corpo. Mas quando são excessivas ou desproporcionais às reais informações do ambiente, podem gerar transtornos psicológicos e sociais.

De acordo com The New York Times , desde 1930 pesquisadores observam que quando certas partes do cérebro de macacos eram lesadas ou removidas, esses animais ficavam sem sentir medo. Ao serem expostos à animais como cobras, demonstraram um comportamento diferente, batendo com uma vara ao redor e assobiavam com a língua.

O experimento foi realizado diversas vezes e um consenso foi estabelecido de que os animais que tiveram a amígdala - uma região do encefalo - removida passavam a não ter medo.

Recentemente a oportunidade de observar o mesmo fenômeno num ser humano ocorreu e o estudo foi publicado no Journal Current Biology.

Segundo o autor do artigo, são raras as oportunidades de estudar pacientes com essa sorte de acometimento. A paciente SM, devido uma doença chamada de proteinose lipóide, apresentou uma lesão focal bilateral da amígdala.

Nos experimentos indutores de medo, como a exposição a cobras e aranhas, a semelhança dos macacos, a senhora SM de 44 anos não demonstrou medo. Segundo o psicológico pesquisador da Universidade do Iwoa Justin Feinstein e os autores da pesquisa, apesar do comportamento ser relativamente benigno, a paciente se expos mais de uma vez a situações de perigo.

Estudar a comportamento desses pacientes pode ajudar a compreender melhor o funcionamento do cérebro e ajudar pessoas com distúrbios do medo, criando terapias ou medicamentos para atuar no funcionamento da amígdala.

Referências:

1) Humans, Like Animals, Behave Fearlessly Without the Amygdala The New York Times de 16 de dezembro de 2010


2) The Human Amygdala and the Induction and Experience of Fear Feinstein, J; Damásio, A; Tranel, D. Current Biology, 16 dez 2010

domingo, 21 de março de 2010

Complexidade Diante dos Olhos IV: Quando começamos a enxergar?



No final da minha especialização em oftalmologia; comecei a me dedicar ao estudo da doença estrabismo. Posso dizer que a grande maioria dos pacientes são crianças; embora muitos adultos sejam assistidos nessa subespecialidade. Desse modo era necessária uma dedicação em oftalmopediatria e dar especial atenção a bebes e crianças.

Todo exame oftalmológico deve medir a visão. Aquela clássica tabela de letras de diferentes tamanhos, que progressivamente diminuem, a ponto de não sabermos se somos capazes de ver todas as letrinhas. Eles servem para medir a nossa capacidade visual e representa para o “oculista” o que o estetoscópio representa para o cardiologista.

Ao conseguir ver um determinado grupo de letras, numa determinada distância; é possível comparar essa resposta a uma resposta da média da população normal; com isso quantificamos a visão de uma pessoa.

Até aqui o meu caro leitor compreende que esse teste simples exige alguns pré-requisitos importantes. Saber identificar e expressar aquilo que lhe foi apontado, o que em última analise requer a integração cognitiva de áreas da memória e da linguagem integradas com a visão.
Surge então um problema.

Como podemos saber se um bebe de 1 mês enxerga?

Essa é uma pergunta rotineira no consultório e que gera alguma apreensão nos pais.
Por conta de uma iniciativa importante da SOCIEDADE BRASILEIRA DE OFTALMOPEDIATRIA ; um teste é realizado em bebes recém-nascido – O teste do reflexo vermelho ou "Teste do Olhinho" – quando é possível diagnosticar precocemente, doenças que comprometem a visão como a catarata e o glaucoma congênito. Assim oftalmologistas recebem muitos bebês para consulta.

Pais felizes com o resultado normal do teste querem muitas vezes saber se seu filho enxerga bem! Nada mais natural, uma vez que lhe é explicado que seu olhinho é normal.

Para responder podemos resumir a questão em dois pontos principais. Desenvolvimento e maturidade (HAMER, 1990). Os olhos de lactentes se desenvolvem e amadurecem do nascimento até por volta dos 5 anos de idade. Um período chamado de plasticidade do sistema visual.
Mas a visão de crianças se desenvolve funcionalmente bem até os 8 meses.

Ao nascimento, eles podem ver aquele grande “E” da tabela, mas isso depende da sua capacidade de focalizar que depende por sua vez dos músculos responsáveis pelo foco chamados músculos ciliares. Esses músculos contraem a pupila.
Fazendo uma analogia com a câmera fotográfica, a pupila é o diafragma da câmera. Desse modo, não é uma incapacidade do filme da máquina – a retina – mas de controlar esse foco na pupila; que é ainda imaturo.

Aos quatro meses essa visão dobra e é possível “ver” até o meio da tabela. Já aos 8 meses, bebes dobram mais uma vez essa capacidade e chegam muito próximos dos adultos (aproximadamente 0,67 do considerado normal).

Sabe-se também que bebês são atraídos por objetos com alto contraste ou preto e branco, por ser mais fácil, mas a capacidade de ver tons intermediários de cinza já é possível no primeiro mês de vida, chegando a uma capacidade próxima do adulto aos 2 meses. Essa capacidade é chamada de sensibilidade ao contraste.

Quanto a visão de cores; com duas semanas podem ser capazes de distinguir o vermelho do verde; mas não tons intermediários como o laranja ou o rosa.
Por volta dos três ou cinco meses, com grande variabilidade, serão capazes de coordenar o movimento dos olhos e perceber os objetos em profundidade. Até então essa capacidade de coordenação deverá amadurecer e bebes com 1 mês são capazes de seguir com os dois olhos um objeto com grande contraste. As imagens são planas e não em 3-D.

Desvios oculares ocasionais devido à imaturidade do sistema são comuns nesse período de amadurecimento. Mas se os pais notarem com muita freqüência os olhos “vagueando” ou desviados deverão procurar um médico.

Há exames objetivos (KANSKI, 2004) para avaliar a visão nesta no primeiro ano de vida como o Potencial Evocado Visual e o Nistagmo Optocinético. São exames baseados na fisiologia da visão e podem fornecer um dado objetivo da presença da visão e sua quantificação. Os oftalmopediatras muitas vezes o utilizam em condições que necessitam de um estudo mais profundo como na presença de doenças.

Agora é possível saber como oftalmologistas pediatras podem inferir sobre a normalidade da visão de um bebes. No entanto somos limitados a responder sobre o processo visual superior, que depende de processos mais complexos e da memória que ira se formar diante das experiências ao longo da vida.
Em resumo. Seu bebe de um mês deverá ser capaz de sorrir para você ao identificar seu rosto, essa é a primeira manifestação de visão.

Referencias:

2) Sociedade Brasileira de Oftalmopediatria: TESTE DO OLHINHO

3) KANSKI, JACK J. Estrabismo – Avaliação clínica.In: Oftalmologia Clínica – Uma abordagem sistemática. Cap.13. pg. 534-535. 4ª.Ed – Revinter.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Uma pausa....Esperanças concretas.

Espírito vem da palavra latina que significa “respirar”.....
De vez em quando sinto-me livre para empregar a palavra. A ciência não é só compatível com a espiritualidade; é uma profunda fonte de espiritualidade. Quando reconhecemos nosso lugar na imensidão de anos-luz e no transcorrer das eras, quando compreendemos a complexidade, a beleza, a sutileza da vida, então o sentimento sublime, misto de júbilo e humildade, é certamente espiritual” Carl Sagan. O Mundo Assombrado pelos Demônios. Cap.2:Ciência e Esperança. Pag. 43. Cia. das Letras. 1998. São Paulo-SP

Esse é uma época de renovação de esperanças.
Das diversas formas de renová-las eu escolhi uma que seus mecanismos são claros, testáveis; reprodutíveis; questionáveis.
Não é uma forma isenta de erros, mas estabelece um limite aceitável para eles.
Mostrou-se pra mim a instituição que mais benefícios trouxe a humanidade.
Aponta nossos erros e os caminhos a seguir. Prevê as conseqüências de nossos erros.
É realmente fria quando se cala diante daquilo que não tem resposta.
Me mostra a responsabilidade que tenho diante da vida e a respeitar a sua real limitação.
Acreditar na ciência é só uma forma concreta de renovar a esperança.

Feliz 2010 aos meus caros visitantes.
PS.: Retrospectiva da Década e a série Complexidade Diante dos Olhos, continua em 2010