terça-feira, 17 de novembro de 2009

Complexidade Diante dos Olhos II: Visão Binocular

Temos um conceito diante da teoria da evolução de um caminho na direção do aperfeiçoamento. Uma herança antropocêntrica fortemente estabelecida no renascimento onde o conhecimento do universo deve ser centrado no homem e numa oposição ao teocentrismo.

Quando analisamos um órgão ou um sistema; imediatamente essa noção de perfeição final é sempre resgatada.

O sistema visual tema desta série; é um exemplo de complexidade que nos leva a pensar num modelo evolutivo centrado no homem e superior ao de outras espécies. Nada mais do que um viés observacional.

Espécies consideradas “menos” evoluídas possuem outras soluções para a engenharia visual tão eficiente no sentido de promover a captação de informações do meio e em última análise perpetuar a espécie.

Dois grupos de vertebrados1 – aves e mamíferos – adquiriram formas diferentes de cooperação entre os olhos. Uma exceção ocorre em cetáceos que possui uma forma rudimentar aproximada das aves. O que pareceria indicar uma pressão evolutiva na direção da VB.

Qual a vantagem de uma operação simultânea dos olhos para a avaliação do ambiente?

O sistema visual dos portadores de visão binocular realiza a captação das imagens pelos dois olhos e mediante o processo de fusão – uma integração no córtex visual – percebe a imagem como única. É como se tivéssemos um olho – ciclope – no centro da testa.

Para qualquer lado que olharmos do nosso agora reduzido campo visual, percebemos uma única imagem; ao contrario de outro grupo que apresenta a solução seletiva para um campo visual muito maior, como em coelhos. Seria o campo visual maior uma vantagem para a percepção do predador?

A visão binocular proporcionaria uma maior noção de profundidade e assim uma maior discriminação de distâncias a partir do observador.

No entanto, essa mesma percepção pode ser obtida por aqueles que não possuem visão binocular ou olho único; através de outras informações ou pistas; segundo BICAS:

a) interposição de estímulos (os mais próximos “cobrindo” os contornos
e áreas dos mais distantes);
b) tamanhos relativos das imagens (maiores para os de objetos mais
próximos, menores para os dos mais distantes);

c) contornos e brilhos (mais acentuados com a proximidade,
esmaecidos com o distanciamento);
d) zonas de sombras e iluminação (sugerindo relevos e
cavidades);
e) perspectiva aérea (coloração mais azulada para grandes
distâncias, pela interposição de ar entre o observador
e os objetos);
f) perspectiva cinemática (pelo observador em movimento:
objetos mais próximos com deslocamentos aparentes
mais rápidos)2 .

Um outro fator importante para a existência da VB é a necessidade de um perfeito alinhamento dos olhos. Humanos com seu sistema visual maduro (falarei sobre essa maturação noutra oportunidade) possuem baixa tolerância a desalinhamentos dos olhos adquiridos, uma vez que desenvolvem uma desagradável diplopia. O que pode ocorrer no caso de traumas diretos na caixa orbitária; paralisias oculomotoras e doenças que afetam a musculatura ou seu tônus (como a miastenia gravis).

É possível que outros processos levassem a anteriorização dos olhos. Como o alargamento da calota craniana; redução do tamanho das fossas nasais em mamíferos ou mudanças necessárias a dinâmica do vôo nas aves. Essas são especulações de um não especialista em evolução, para o fenômeno.

O estreitamente do campo visual pode ter ocorrido diante de uma necessidade de tornar essa grande quantidade de informações do ambiente de forma subliminar; pois sabemos que boa parte da informação vinda do ambiente chega a periferia do campo visual de forma mais tênue do que a visão central, muito menos discriminativa do que a região foveal.

É tentador imaginar que o mesmo processo de estreitamente do campo visual possa ser até mesmo coordenado por genes e que a expressão anormal dessa informação seja traduzida na forma de doenças onde essas células apresentam um padrão de morte (apoptose) programada anormal; como no glaucoma3

A visão binocular pode ser somente uma resposta a outras necessidades e pressões evolutivas não ocorridas necessariamente no sistema visual, mas uma solução entre diversas que a seleção natural cuidou de moldar.

Referências:

1) PETTIGREW, JD. The Evolution of Binocular Vision. In Visual Neurocience. Sanderson, KJ and Levick WR.Cambridg Univ. Press 1986 page 208;
2) BICAS, HEA. Fisiologia da Visão Binocular.Arq Bras Oftalmol 2004;67:172-80
3)MARIGO,FA, CRONEMBERGER,S, CALIXTO,N.Neuroproteção: situação atual no glaucoma.Arq Bras Oftalmol 2001;64:167-71

domingo, 1 de novembro de 2009

Complexidade diante dos olhos.

Há poucos dias uma rotina do consultório, exame e emissão de laudo sobre as competências visuais de um cliente, despertou-me uma série de considerações sobre nossa capacidade de perceber nossas aptidões sensoriais no cotidiano e até que ponto elas nos são úteis.

O cliente em questão era candidato a EPCAR – curso de excelência do ministério de defesa para formação de cadetes – e futuro aviador. Dada às aptidões que um piloto deve possuir, é compreensível o nível de exigência cobrado dos candidatos.

Realizados os testes de praxe; de acuidade visual; passamos por outros que analisamos a saúde e a fisiologia do globo ocular e chegamos aos que determinam o quão harmonioso nossos dois olhos interagem para dos fornecer a Visão Binocular.

A perfeita integração da imagem que chega aos dois olhos deve inicialmente possuir uma qualidade mínima que permita; aos centros corticais que recebem os potenciais de ação gerados nos fotorreceptores da retina; a percepção de uma imagem única.
Imperfeição nos meios por onde a luz passa – córnea; cristalino; humor aquoso; vítreo e retina – podem impedir que a imagem se forme de acordo com o modo que o cérebro aprendeu a perceber a realidade.

Se uma imagem nítida fez parte desse aprendizado; desde os primeiros meses de vida; estimulando simetricamente as células da retina dos dois olhos; gerando vias facilitadoras ao escoamento da informação – sinapses – entre as células da via óptica até seu centro cortical; estas serão o padrão de referência para ativação adequada do sistema.

Em outras palavras – inconscientemente nos recebemos uma imagem nítida de um olho e uma imagem igualmente nítida de outro olho e realização a sobreposição ou interpretação de uma única imagem. Esse fenômeno é chamado de reflexo de fusão.
Espera-se que imperfeições dos meios como as ametropias – hipermetropias, astigmatismo; miopias – estejam adequadamente corrigidas ou compensadas por esforço do seu portador; para que essa integração ocorra.

Outro requisito importante à fusão das imagens e o alinhamento adequado dos olhos para que a imagem do objeto de atenção possa ser a mesma a chegar a ambas as retinas. Se um olho estiver alinhado com o eixo visual e o outro adotar qualquer outra posição que não seja esta, duas imagens diferentes chegarão à retina. Isso provoca, de acordo com o grau de desvio, sintomas desconfortáveis, o principal deles e a percepção de imagens duplicadas - a diplopia.

Isso ocorre porque existe uma correspondência entre grupamentos de fotorreceptores de um olho que funcionam em correspondência espacial com grupamentos de outro olho. Imagens que chegam aos olhos estimulam grupamentos posicionados na mesma região. Depois de estimuladas; ás células fotorreceptoras enviam seus potenciais de ação de forma a representar essa projeção espacial até o córtex occipital área responsável pelo processamento visual e integração com outros centros cognitivos.

Para entender melhor a correspondência retiniana; imagine que sempre que você quisesse telefonar para um amigo ou parente, você estabelecesse certas regras para iniciar a comunicação que lhe permitisse saber exatamente o posicionamento de seu interlocutor, com ambos virados para o sul, sentados em seu quarto no terceiro andar do seu prédio, que fica no mesmo nível do mar; com ambos vestindo vermelho; etc.

Essas informações permitem que as imagens que chegam ao cérebro carreguem não só características de luminosidade; cor; tamanho; mas igualmente seja uma representação posicional do ambiente. Mas ainda, se objetos de movem no campo visual. Isso só é possível diante de uma citoarquitetura hierarquicamente projetada até o cérebro.

Então, antes de voltar ao nosso candidato a piloto, vamos complicar mais um pouco. Imagine que você observa um ponto no espaço. Seus olhos estão alinhados e você o percebe como único. Uma linha imaginária passa por esse ponto e chega a um grupo celular da sua retina. Outra linha liga esse ponto a grupos celulares correspondentes da outra retina. Ambas as linhas se encontram neste ponto, mas devido à separação entre os olhos, essas linhas se cruzarão neste ponto. Na realidade, se nesse momento você olhar para sua sala de estar e não estiver vendo coisas duplicadas e porque para cada ponto que olhas, essas linhas se cruzam.

Você já percebeu que para qualquer ponto que olhar esse ponto único está lá. Agora imagine a união de todos esses pontos formando um plano, na verdade formando uma superfície imaginária tridimensional onde todos os pontos são percebidos como único – esse plano no espaço se chama horóptero.

Uma nuvem de pontos no espaço está ao redor do horóptero e também são percebidos como únicos. Essa região do espaço é chamada de área de Panun, a diferença que essa região fornece a sensação de visão única.

Agora realize o seguinte experimento. Pegue um lápis e estique seu braço de modo que o lápis fique na vertical. Do mesmo modo com a mão esquerda pegue outro lápis e deixe-o a meia distância entre o da mão direita, mas no mesmo eixo de visão e tente sobrepor-los. Você instintivamente tenta fechar um dos olhos. Com os dois olhos abertos você percebera um deles sempre duplo. Essa e a diplopia fisiológica e estimula áreas não correspondes, mas muito próximas.

Esse fenômeno permite a sensação de posição relativa de objetos no espaço através da visão binocular. O experimento acima é um teste grosseiro da capacidade estereoscópica, mas outros mais sofisticados podem avaliar melhor essa função.

É compreensível a cobrança de níveis elevados de integridade visual e harmonia entre os olhos para os futuros aviadores. A diferença entre ter ou não essas habilidades pode ser crucial num momento de crise e na tomada de decisão.

Para saber mais:

1) MOGO, S. Intrdução a Introdução ao estudo da visão binocular - Análise Optométrica Departamento de Física Universidade da Beira Interior. 2007 / 08

Bibliografia:

1) NOORDEN, Gunter K von. Binocular Vision and Ocular Motility - Theory and Management of Strabismus. fifth edition, Mosby, Houston, Texas, 1995

Considerações Importantes

Uma das propostas deste diário, além de uma pretensão de divulgação científica, a compreensão dos fenômenos presenciados pela sociedade com as ferramentas científicas que dispomos traduzidas pela pesquisa de referências que dão sustentação as nossas opiniões.
Um formalismo natural em respeito ao leitor; sem evitar a subjetividade e a impessoalidade que eliminaria por completo minha vontade de escrever.
Faço essas considerações num momento que tento aumentar minhas postagens que se apresentam com um espaço de tempo excesso e alheio a minha vontade.
Esse diário é um passatempo é aqueles que porventura honrarem-me com seu precioso tempo, espero oferecer-lhes informação com segurança e a devida possibilidade de contestação de minhas opiniões.
Agradeço sua visita.