domingo, 21 de março de 2010

Complexidade Diante dos Olhos IV: Quando começamos a enxergar?



No final da minha especialização em oftalmologia; comecei a me dedicar ao estudo da doença estrabismo. Posso dizer que a grande maioria dos pacientes são crianças; embora muitos adultos sejam assistidos nessa subespecialidade. Desse modo era necessária uma dedicação em oftalmopediatria e dar especial atenção a bebes e crianças.

Todo exame oftalmológico deve medir a visão. Aquela clássica tabela de letras de diferentes tamanhos, que progressivamente diminuem, a ponto de não sabermos se somos capazes de ver todas as letrinhas. Eles servem para medir a nossa capacidade visual e representa para o “oculista” o que o estetoscópio representa para o cardiologista.

Ao conseguir ver um determinado grupo de letras, numa determinada distância; é possível comparar essa resposta a uma resposta da média da população normal; com isso quantificamos a visão de uma pessoa.

Até aqui o meu caro leitor compreende que esse teste simples exige alguns pré-requisitos importantes. Saber identificar e expressar aquilo que lhe foi apontado, o que em última analise requer a integração cognitiva de áreas da memória e da linguagem integradas com a visão.
Surge então um problema.

Como podemos saber se um bebe de 1 mês enxerga?

Essa é uma pergunta rotineira no consultório e que gera alguma apreensão nos pais.
Por conta de uma iniciativa importante da SOCIEDADE BRASILEIRA DE OFTALMOPEDIATRIA ; um teste é realizado em bebes recém-nascido – O teste do reflexo vermelho ou "Teste do Olhinho" – quando é possível diagnosticar precocemente, doenças que comprometem a visão como a catarata e o glaucoma congênito. Assim oftalmologistas recebem muitos bebês para consulta.

Pais felizes com o resultado normal do teste querem muitas vezes saber se seu filho enxerga bem! Nada mais natural, uma vez que lhe é explicado que seu olhinho é normal.

Para responder podemos resumir a questão em dois pontos principais. Desenvolvimento e maturidade (HAMER, 1990). Os olhos de lactentes se desenvolvem e amadurecem do nascimento até por volta dos 5 anos de idade. Um período chamado de plasticidade do sistema visual.
Mas a visão de crianças se desenvolve funcionalmente bem até os 8 meses.

Ao nascimento, eles podem ver aquele grande “E” da tabela, mas isso depende da sua capacidade de focalizar que depende por sua vez dos músculos responsáveis pelo foco chamados músculos ciliares. Esses músculos contraem a pupila.
Fazendo uma analogia com a câmera fotográfica, a pupila é o diafragma da câmera. Desse modo, não é uma incapacidade do filme da máquina – a retina – mas de controlar esse foco na pupila; que é ainda imaturo.

Aos quatro meses essa visão dobra e é possível “ver” até o meio da tabela. Já aos 8 meses, bebes dobram mais uma vez essa capacidade e chegam muito próximos dos adultos (aproximadamente 0,67 do considerado normal).

Sabe-se também que bebês são atraídos por objetos com alto contraste ou preto e branco, por ser mais fácil, mas a capacidade de ver tons intermediários de cinza já é possível no primeiro mês de vida, chegando a uma capacidade próxima do adulto aos 2 meses. Essa capacidade é chamada de sensibilidade ao contraste.

Quanto a visão de cores; com duas semanas podem ser capazes de distinguir o vermelho do verde; mas não tons intermediários como o laranja ou o rosa.
Por volta dos três ou cinco meses, com grande variabilidade, serão capazes de coordenar o movimento dos olhos e perceber os objetos em profundidade. Até então essa capacidade de coordenação deverá amadurecer e bebes com 1 mês são capazes de seguir com os dois olhos um objeto com grande contraste. As imagens são planas e não em 3-D.

Desvios oculares ocasionais devido à imaturidade do sistema são comuns nesse período de amadurecimento. Mas se os pais notarem com muita freqüência os olhos “vagueando” ou desviados deverão procurar um médico.

Há exames objetivos (KANSKI, 2004) para avaliar a visão nesta no primeiro ano de vida como o Potencial Evocado Visual e o Nistagmo Optocinético. São exames baseados na fisiologia da visão e podem fornecer um dado objetivo da presença da visão e sua quantificação. Os oftalmopediatras muitas vezes o utilizam em condições que necessitam de um estudo mais profundo como na presença de doenças.

Agora é possível saber como oftalmologistas pediatras podem inferir sobre a normalidade da visão de um bebes. No entanto somos limitados a responder sobre o processo visual superior, que depende de processos mais complexos e da memória que ira se formar diante das experiências ao longo da vida.
Em resumo. Seu bebe de um mês deverá ser capaz de sorrir para você ao identificar seu rosto, essa é a primeira manifestação de visão.

Referencias:

2) Sociedade Brasileira de Oftalmopediatria: TESTE DO OLHINHO

3) KANSKI, JACK J. Estrabismo – Avaliação clínica.In: Oftalmologia Clínica – Uma abordagem sistemática. Cap.13. pg. 534-535. 4ª.Ed – Revinter.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Uma pausa....Esperanças concretas.

Espírito vem da palavra latina que significa “respirar”.....
De vez em quando sinto-me livre para empregar a palavra. A ciência não é só compatível com a espiritualidade; é uma profunda fonte de espiritualidade. Quando reconhecemos nosso lugar na imensidão de anos-luz e no transcorrer das eras, quando compreendemos a complexidade, a beleza, a sutileza da vida, então o sentimento sublime, misto de júbilo e humildade, é certamente espiritual” Carl Sagan. O Mundo Assombrado pelos Demônios. Cap.2:Ciência e Esperança. Pag. 43. Cia. das Letras. 1998. São Paulo-SP

Esse é uma época de renovação de esperanças.
Das diversas formas de renová-las eu escolhi uma que seus mecanismos são claros, testáveis; reprodutíveis; questionáveis.
Não é uma forma isenta de erros, mas estabelece um limite aceitável para eles.
Mostrou-se pra mim a instituição que mais benefícios trouxe a humanidade.
Aponta nossos erros e os caminhos a seguir. Prevê as conseqüências de nossos erros.
É realmente fria quando se cala diante daquilo que não tem resposta.
Me mostra a responsabilidade que tenho diante da vida e a respeitar a sua real limitação.
Acreditar na ciência é só uma forma concreta de renovar a esperança.

Feliz 2010 aos meus caros visitantes.
PS.: Retrospectiva da Década e a série Complexidade Diante dos Olhos, continua em 2010

sábado, 26 de dezembro de 2009

Retrospectiva da Década – A consolidação da HAART

A terapia anti-retroviral de alta atividade - highly active antiretroviral therapy (HAART) – completou dez anos e representou o maior avanço prático até agora para a síndrome de imunodeficiência adquirida. De três anti-retrovirais em 1997, atualmente dispomos de 17 drogas, que combinadas formam o coquetel. A AIDS ainda não possui uma vacina e o controle da epidemia se faz basicamente através de campanhas de prevenção. Uma preocupante mudança também observada nos últimos anos é a da feminização e heterosexualização da doença. Aumentou igualmente o número de infectados no interior e nas camadas mais pobres da população.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Retrospectiva da Década de 2000 - Transplante de Face

No dia 30 de novembro de 2005 foi realizado o primeiro transplante parcial de face numa mulher de 38 anos que teve seu rosto desfigurado por um ataque por cachorro. O feito foi anunciado por pesquisadores franceses.

Os resultados iniciais são promissores e com o aperfeiçoamento da técnica será possível ajudar milhares de pessoas que tiveram acidentes desfigurantes de face.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Retrospectiva da Década de 2000 – Células Tronco

Várias conquistas anteriores podem marcar a história das pesquisas com células tronco embrionárias; mas certamente nenhum período anterior a década atual, o tema foi tão abordado no meio não científico.
Eu escolho a publicação dos resultados obtidos pela equipe liderada pelo cientista da Universidade de Wisconsin, James A. Thomson em 1998, que lançou as bases das pesquisas em laboratório com essa promissora terapia.
No Brasil, outro marco importante cabe ao grupo do pesquisador Mestre em Biologia Estrutural e Celular e Professor da UFRJ Rodovan Borojevic, que em 2005 publicou os resultados com células tronco autólogas (CTA) em pacientes com doença do miocárdio.
Também em 2005 a Lei de Biossegurança foi sancionada pelo presidente Lula. Seguiu-se, uma ação de inconstitucionalidade e um pedido de vistas do julgamento movimentaram o debate em torno das células-tronco embrionárias no Brasil. Em 29 de maio, as pesquisas foram liberadas no Supremo Tribunal Federal, por 6 votos contra 5.



1) Embryonic Stem Cell Lines Derived from Human Blastocysts
2) Injeção transendocardica de celulas mononucleares autologas de medula ossea em isquemia cardiaca : relato anatomopatologico e imunohistoquimico post-mortem

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Complexidade Diante dos Olhos III: GENE PAX6

“Suponha que o olho, com todos as suas inimitáveis invenções para ajustar o foco em diferentes distâncias, admitir diferentes quantidades de luz e para a correção de esférico e cromático, poderia ser constituídos por seleção natural, parece, confesso livremente, absurdo, ao mais alto grau.”

Charles Darwin – On the Origin of Species by Means of Natural Selection, or the Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life. 1859


O olho sempre foi um desafio para os primeiros evulocionistas e um argumento muito convincente de uma complexidade irredutível para seus opositores. Os problemas maiores das provas da evolução do olho relacionam-se com a impossibilidade de intermediários fósseis que revelassem uma gradação.

A irredutibilidade do olho durou quase 150 deste a publicação de a origem das espécies, com a compreensão de algumas doenças através da genética; uma delas a aniridia.

A aniridia é uma doença ocular de transmissão hereditária de caráter autossômico dominante. Sua principal manifestação é a ausência ou formação incompleta do diafragma iriano 1. A íris regula a entrada de luz, permitindo melhor do foco das imagens. Outras alterações encontradas nesse pacientes é a presença de glaucoma; hipoplasia foveal; catarata e nistagmo.

Recentemente (Glasser ET AL, 1992)2 o gene da aniridia foi mapeado (cromossomo 11p13) num complexo de genes reguladores; especificamente o grupo PAX de número 6. O PAX6 é responsável pela transcrição de proteínas reguladoras da formação de tecidos do sistema nervoso central e dos olhos. É a mutação nesse grupo do PAX6 que leva a variáveis alterações da aniridia que vão deste média a moderada perda visual; catarata e até anoftalmia (ausência de formação do olho).

Há uma homologia do gen humano com vertebrados e animais inferiores como ratos e moscas drosófilas; com uma seqüência de aminoácidos em torno de 90%. Um peixinho dos corais australianos – o peixe zebra – possui homologia de 96 % com nossos genes e devido a essa semelhança é uma modelo de estudos em genética, neurobiologia; biologia do desenvolvimento e oncologia.3

O PAX6 regula igualmente a formação de olhos totalmente diferente dos nossos, como os das moscas drosófilas e as mutações provocam ausência de olhos ou olhos ectópicos. 4

A expressão do gen ocorre na embriogenese, o momento no qual os tecidos que darão origem aos olhos e sistema nervoso central.

A transcrição de proteínas do PAX6 ocorre diante da concentração de outras proteínas regulatórias que o ativam. Uma vez ativado, torna-se regulador de seqüências de DNA que controlam a expressão proteínas sinalizadoras para posicionamento correto de tecidos e o seu padrão de diferenciação.5

Darwin assumiu a falta de um conhecimento que veio a se tornar disponível um século depois; isso de modo algum tornaria sua teoria menos importante hoje para a biologia.

Referências:

1. Daljit Singh et Arun Verma. Aniridia. E-medine, ophthalmology – update: jan 17, 2008
2. Genomic structure, evolutionary conservation and aniridia mutations in the human PAX6 gene
3. Nornes et all. Zebrafish contains two Pax6 genes involved in eye development
4. PAX6 paired box 6. NCBI
5. Friedman, Adam A. L. A Review of the Highly Conserved PAX6 Gene in Eye Development Regulation. Journal Of the Young Investigators, dec. 1998



Agradeço e parabenizo o blog Estudando Raras

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Complexidade Diante dos Olhos II: Visão Binocular

Temos um conceito diante da teoria da evolução de um caminho na direção do aperfeiçoamento. Uma herança antropocêntrica fortemente estabelecida no renascimento onde o conhecimento do universo deve ser centrado no homem e numa oposição ao teocentrismo.

Quando analisamos um órgão ou um sistema; imediatamente essa noção de perfeição final é sempre resgatada.

O sistema visual tema desta série; é um exemplo de complexidade que nos leva a pensar num modelo evolutivo centrado no homem e superior ao de outras espécies. Nada mais do que um viés observacional.

Espécies consideradas “menos” evoluídas possuem outras soluções para a engenharia visual tão eficiente no sentido de promover a captação de informações do meio e em última análise perpetuar a espécie.

Dois grupos de vertebrados1 – aves e mamíferos – adquiriram formas diferentes de cooperação entre os olhos. Uma exceção ocorre em cetáceos que possui uma forma rudimentar aproximada das aves. O que pareceria indicar uma pressão evolutiva na direção da VB.

Qual a vantagem de uma operação simultânea dos olhos para a avaliação do ambiente?

O sistema visual dos portadores de visão binocular realiza a captação das imagens pelos dois olhos e mediante o processo de fusão – uma integração no córtex visual – percebe a imagem como única. É como se tivéssemos um olho – ciclope – no centro da testa.

Para qualquer lado que olharmos do nosso agora reduzido campo visual, percebemos uma única imagem; ao contrario de outro grupo que apresenta a solução seletiva para um campo visual muito maior, como em coelhos. Seria o campo visual maior uma vantagem para a percepção do predador?

A visão binocular proporcionaria uma maior noção de profundidade e assim uma maior discriminação de distâncias a partir do observador.

No entanto, essa mesma percepção pode ser obtida por aqueles que não possuem visão binocular ou olho único; através de outras informações ou pistas; segundo BICAS:

a) interposição de estímulos (os mais próximos “cobrindo” os contornos
e áreas dos mais distantes);
b) tamanhos relativos das imagens (maiores para os de objetos mais
próximos, menores para os dos mais distantes);

c) contornos e brilhos (mais acentuados com a proximidade,
esmaecidos com o distanciamento);
d) zonas de sombras e iluminação (sugerindo relevos e
cavidades);
e) perspectiva aérea (coloração mais azulada para grandes
distâncias, pela interposição de ar entre o observador
e os objetos);
f) perspectiva cinemática (pelo observador em movimento:
objetos mais próximos com deslocamentos aparentes
mais rápidos)2 .

Um outro fator importante para a existência da VB é a necessidade de um perfeito alinhamento dos olhos. Humanos com seu sistema visual maduro (falarei sobre essa maturação noutra oportunidade) possuem baixa tolerância a desalinhamentos dos olhos adquiridos, uma vez que desenvolvem uma desagradável diplopia. O que pode ocorrer no caso de traumas diretos na caixa orbitária; paralisias oculomotoras e doenças que afetam a musculatura ou seu tônus (como a miastenia gravis).

É possível que outros processos levassem a anteriorização dos olhos. Como o alargamento da calota craniana; redução do tamanho das fossas nasais em mamíferos ou mudanças necessárias a dinâmica do vôo nas aves. Essas são especulações de um não especialista em evolução, para o fenômeno.

O estreitamente do campo visual pode ter ocorrido diante de uma necessidade de tornar essa grande quantidade de informações do ambiente de forma subliminar; pois sabemos que boa parte da informação vinda do ambiente chega a periferia do campo visual de forma mais tênue do que a visão central, muito menos discriminativa do que a região foveal.

É tentador imaginar que o mesmo processo de estreitamente do campo visual possa ser até mesmo coordenado por genes e que a expressão anormal dessa informação seja traduzida na forma de doenças onde essas células apresentam um padrão de morte (apoptose) programada anormal; como no glaucoma3

A visão binocular pode ser somente uma resposta a outras necessidades e pressões evolutivas não ocorridas necessariamente no sistema visual, mas uma solução entre diversas que a seleção natural cuidou de moldar.

Referências:

1) PETTIGREW, JD. The Evolution of Binocular Vision. In Visual Neurocience. Sanderson, KJ and Levick WR.Cambridg Univ. Press 1986 page 208;
2) BICAS, HEA. Fisiologia da Visão Binocular.Arq Bras Oftalmol 2004;67:172-80
3)MARIGO,FA, CRONEMBERGER,S, CALIXTO,N.Neuroproteção: situação atual no glaucoma.Arq Bras Oftalmol 2001;64:167-71